cooperativismo de plataforma

Cooperativismo de Plataforma para o Fortalecimento da Agricultura Familiar

O termo Cooperativismo de Plataforma, criado por Trebor Scholz em 2016, que surge como uma tentativa de enfrentamento ao capitalismo de plataforma, ocupa-se de temas como propriedade coletiva, trabalho associado, pagamento e condições de trabalho decentes, governança democrática, transparência e portabilidade de dados (Scholz, 2017).

Tais características se alinham aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente ao ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico), ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e ODS 12 (consumo e produção responsáveis).

Modelos de cooperativismo de plataforma

Nos últimos anos, o aumento das múltiplas e complexas formas de trabalho via plataformas digitais, ditas plataformas de compartilhamento, produzidas por modelo hegemônico neoliberal, têm causado problemas relacionados às condições dos trabalhadores e a redistribuição de ganhos (Grohmann, 2018; 2020). Em relação aos modelos de cooperativismo de plataforma, Alvear et al. (2023, p. 51) argumentam que:

“Existem diversas tipologias ou modelos possíveis para o cooperativismo de plataforma, incluindo aí cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras que atuam em paralelo às plataformas capitalistas controladas por multinacionais; cooperativas de desenvolvimento tecnológico, voltadas para a criação de ferramentas baseadas em livre compartilhamento e bens comuns digitais; cooperativas de distribuição e comércio, como as organizadas para conectar consumidores nas cidades com pequenos produtores no campo. Isso só para relacionar algumas das formas de organização digital possíveis dentro de uma perspectiva de Economia Solidária.” (Alvear et al., 2015, p. 51).

Grohmann (2020) cita a expressão “plataformização do trabalho” alinhado ao termo “economia do compartilhamento” mencionado por Rüsche e Santini (2018). Em linhas gerais, caracteriza-se pela transposição das relações de trabalho capitalistas ao universo tecnológico, isto é, mantém a lógica de concentração de lucros para os donos das grandes redes, como a Amazon e o iFood, sem se ocupar da democratização das relações de trabalho (Scholz, 2018). Nesse sentido, o cooperativismo de plataforma “envolve modelos de propriedade democrática para a Internet” (Scholz, 2018, p.17).

Na contramão dessas formas de trabalho capitalistas, há um movimento que busca operar na interface da economia solidária, da tecnologia social e do cooperativismo de plataforma. Reestruturando as relações de trabalho para formas democráticas, que propõem arranjos justos de produção, distribuição e consumo, e coerentes com valores que respeitem o trabalho digno (fairwork) (Grohmann, 2020;  Anello et al., 2022).

Cabe salientar que Tecnologia Social é entendida, de acordo com Dagnino (2014), como uma solução simples, de custo baixo, de fácil aplicabilidade e capaz gerar impactos sociais, possibilitando melhora na qualidade de vida e relações de trabalho mais justas em contextos como “[…] educação, agricultura, saúde, meio ambiente e lazer” (De Medeiros et al., 2017, p. 967). Um exemplo, é a plataforma tecnologia social “EUTRAMPO”, a qual tem o objetivo de criar canais de comunicação e interação entre os cidadãos, visando contribuir com a geração de emprego e renda, disponível para a cidade de Rio Grande – RS (PMRG, 2021).

Leia também: Marketing e comercialização: estudo de caso da plataforma e-COO

e-COO: Cooperativismo de plataforma para a agricultura familiar

Assim, como consequência desse projeto inovador e a partir da Chamada nº 36 de 2018 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) surge a proposta intitulada de “e-COO: Cooperativismo de Plataforma: Inovação e Tecnologia social para o fortalecimento da agricultura familiar da Região geográfica imediata de Pelotas”.

O objetivo é propor uma plataforma tecnológica para facilitar a comercialização solidária em um contexto cooperativista de “redes de redes”. Trata-se de um projeto financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o qual é desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Rio Grande (FURG), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFsul) e a Universidade de Toronto (Canadá). Essa iniciativa se configura como uma tecnologia social inovadora voltada para o fortalecimento da agricultura agroecológica no extremo sul do Brasil.

Busca-se desenvolver um modelo baseado em indicadores sociais para matching, recomendação e auxílio à gestão da produção, compras, vendas e distribuição coletiva. O modelo envolverá Tecnologia Social Inovadora com base no Cooperativismo de Plataforma e será aplicado na Região geográfica imediata de Pelotas (IBGE, 2017), que contempla dezessete município do estado do Rio Grande do Sul, fortalecendo a cadeia local de produção, comercialização, distribuição e consumo de alimentos agroecológicos. 

O projeto visa a formação e consolidação de um modelo para o Cooperativismo de Plataforma elaborado na região sul do país, mas que sirva para todo território nacional, através do qual as relações de compra e venda envolvam empreendimentos solidários, oriundos da Agricultura Familiar. A proposta é, portanto, estabelecer, em meio digital, estruturas regionais para ofertas, consumo, logística, acesso a fornecedores, perfil produtivo e organização financeira entre os diferentes atores da economia solidária. Além disso, busca-se considerar a importância quanto às relações de trabalho dignas (fairwork).

O projeto avança em relação a pesquisas sobre cooperativismo de plataforma no país ao propor um projeto-piloto em articulação com políticas públicas, com potencial de desenvolvimento tecnológico e inovação rumo à sustentabilidade na economia de plataformas. Este é um passo importante rumo a tentativas de soberania tecnológica em um país como o Brasil (Scholz; Calzada, 2021; Ricaurte, Grohmann, 2021).

Referências Bibliográficas

ANELLO, Lucia de Fatima Socoowski; NOBRE, Lucia Regina; BRAGA, Maria Angelica Machado. Rede Rizoma. Revista das ITCPs, v. 2, n. 1, p. 24-35, 2022.

ALVEAR, Celso Alexandre; NEDER, Ricardo; SANTINI, Daniel. ECONOMIA SOLIDÁRIA 2.0: por um cooperativismo de plataforma solidário. P2P E INOVAÇÃO, v. 9, n. 2, p. 42-61, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.21721/p2p.2023v9n2.p42-61. Acesso em: 16 de agosto de 2023.

DAGNINO, Renato. Tecnologia Social: contribuições conceituais e metodológicas. Eduepb, 2014.

DE MEDEIROS, Carolina Beltrão et al. Inovação social além da tecnologia social: constructos em discussão. Race: revista de administração, contabilidade e economia, v. 16, n. 3, p. 957-982, 2017.

GROHMANN, Rafael. Rider Platforms?: Building Worker-Owned Experiences in Spain, France, and Brazil. South Atlantic Quarterly. V. 120, n. 4, 2021.

GROHMANN, Rafael. Cooperativismo de plataforma e suas contradições:   análise   de   iniciativas   da   área   de comunicação no Platform.Coop. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 19-32, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18617/liinc.v14i1.4149. Acesso em: 16 de agosto de 2023.

GROHMANN, Rafael. Plataformização do trabalho: entre a dataficação, a financeirização e a racionalidade neoliberal. Revista EPTIC, v. 22, n. 1, p. 106-122, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/eptic/article/view/12188/10214. Acesso em: 16 de agosto de 2023.

PMRG –  Prefeitura Municipal do Rio Grande. Prefeitura recebe professores e alunos da FURG para apresentação do aplicativo “Eu Trampo”. Assessoria de Comunicação PMRG, 09 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.riogrande.rs.gov.br/pagina/prefeitura-recebe-professores-e-alunos-da-furg-para-apresentacao-do-aplicativo-eu-trampo/. Acesso em: 21 de agosto de 2023.

RICAURTE, Paola; GROHMANN, Rafael. Data Sovereignty and Alternative Development Models. BotPopuli, 22 de outubro de 2021. Disponível em: https://botpopuli.net/data-sovereignty-and-alternative-development-models/. Acesso em: 21 de agosto de 2023.

RÜSCHE, Ana; SANTINI, Daniel. Plataformas de solidariedade: A diferença entre transformar tudo em objeto de lucro e compartilhar de maneira inteligente. In: SCHOLZ, Trebor (org.). Cooperativismo de Plataforma. São Paulo: Editora Elefante, 2018, p. 7 – 10.

SCHOLZ, Trebor; CALZADA, Igor. Cooperativas de Dados Para Tempos Pandêmicos. DigiLabour, 22 de abril de 2021. Disponível em: https://digilabour.com.br/cooperativas-de-dados-para-tempos-pandemicos/. Acesso em: 21 de agosto de 2023.

Autores: Raizza Da Costa Lopes, Kamila Debian Victor, Júlia Nyland do Amaral Ribeiro, Viviani Rios Kwecko, Lucia Regina Nobre, Silvia Silva da Costa Botelho e Marcelo Kwecko.

Artigo originalmente publicado no 1º Simpósio Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia Social (SEPETS). Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/1_sepets/

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