Marketing e comercialização: estudo de caso da plataforma e-COO

O presente relato apresenta um estudo de caso da cooperativa de plataforma para agricultura familiar e-COO. O objetivo é inferir sobre como o marketing tem se apropriado das oportunidades oferecidas pela cooperativa para expandir a comercialização e a divulgação. A fim de evitar dinâmicas e linguagem exploratórias, apoiando-se em novas formas de consumo ético.

Para contextualizar, o e-COO é uma cooperativa de plataforma criada para apoiar a agricultura familiar na região sul do Rio Grande do Sul. O e-COO utiliza tecnologias sociais para promover autonomia e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Iniciado com financiamento público do MCTI, a iniciativa visa implementar um sistema de comercialização híbrida de produtos da agricultura familiar. Para isso, utiliza um armazém localizado na Furg e um chatbot no Telegram para gestão das vendas. O e-COO segue os princípios do cooperativismo de plataforma. A fim de criar um modelo de distribuição que fortaleça a agricultura familiar, reduza a dependência de intermediários exploratórios e promova a sustentabilidade econômica, social e ambiental.

A análise da cotidianidade do marketing se baseia nas estratégias de comunicação nas redes sociais digitais próprias da cooperativa de março a setembro de 2024. Essa análise combina as metodologias de estudo de caso e matriz SWOT ou F.O.F.A. Também compara modelos de negócio de outras iniciativas de cooperativismo de plataforma. O núcleo está imbricado com as ambivalências das estratégias de incentivo à comercialização e à divulgação da iniciativa. Da mesma forma, tece suas táticas entre as tensões políticas e pressões econômicas. Dessa forma, a área oferece uma fotografia de como as ações de expansão de comercialização se aproximam e se afastam da lógica do empreendimento empresarial.

Conforme pontuou Sandoval (2019, p. 6), o cooperativismo de plataforma opera em um espaço de convergência entre o ativismo social e o empreendedorismo. Isso porque uma “cooperativa continua sendo uma entidade empresarial que compete em mercados capitalistas”. Isso significa que, para se manter rentável, não se pode ignorar as tendências do mercado em um mundo organizado por preço e valor. Dagnino (2014, p. 27), por sua vez, afirma que uma tecnologia social deve ser competitiva para atrair usuários. “Se o empreendimento autogestionário não for competitivo (ou não tiver sustentabilidade) em relação ao grande capital, não vai conseguir constituir uma alternativa econômica, nem chegar a ser uma alternativa real de inclusão social para a população marginalizada”.

A combinação de ativismo e empreendedorismo é perigosa quando acrítica. Como este tem o potencial de fortalecer a rentabilidade de maneira imediata e constante, pode se sobressair à perspectiva social. E assim corroer as dinâmicas não-exploratórias que compõem os princípios do cooperativismo de plataforma. Inclusive, para Sandoval (2019, p.8), “quanto mais radical for a resistência de uma cooperativa contra a lógica de mercado e a competição, mais desafiador será para a cooperativa gerar renda”. 

Neste sentido, o presente relato discute pelo prisma do marketing a comercialização da cooperativa de plataforma para agricultura familiar. Compreendendo que os desafios do e-COO provocam um duplo movimento enquanto uma cooperativa de plataforma. 1) ter uma plataforma que facilite a comercialização justa dos produtos da agricultura familiar. E 2) gerar conhecimento científica a respeito desse processo. 

Metodologia

Para a descrição de como as atividades do marketing resultam em expansão de comercialização na cooperativa de plataforma e-COO, adotamos a abordagem metodológica de estudo de caso. Além disso, explora-se até que ponto ocorrem contradições em relação aos princípios do cooperativismo de plataforma.

Para fazer inferências sobre esse tema, precisamos coletar evidências empíricas. Essa evidências partem da análise das relações de diferentes atores que interagem de maneira singular para gerar determinados resultados sobre o fluxo de comunicação. Ev e Gomes (2014) apontam justamente que o estudo de caso é adequado para gerar explicações sobre os fenômenos, em grande medida, qualitativos. Para esquematizar o cenário de vantagens competitivas da cooperativa, organizamos os fatores sob a ótica da matriz SWOT. O método explora os ambientes interno (fraquezas e oportunidades) e externo (fortalezas e ameaças) do negócio para extrair uma visão holística. 

Nossa fonte de dados para esta esquematização baseia-se na análise de dados secundários. Esses dados são provenientes da cotidianidade do núcleo em produzir, publicar e analisar publicações realizadas nas redes sociais da cooperativa (Instagram, Facebook, YouTube). O período de tempo compreende seis meses, de março de 2024 (período em que a cooperativa começou a comercializar produtos), a setembro de 2024. Essas publicações refletem as estratégias de marketing em contar histórias de vida dos agricultores membros, as novidades da iniciativa e os diferenciais dos produtos ofertados. E por fim, os progressos alcançados pela cooperativa em direção a maior rentabilidade e credibilidade da iniciativa. Tal vivência possibilita a observação das fraquezas, oportunidades, fortalezas e ameaças do e-COO.

Cooperativismo de plataforma e geração de renda constante

O termo cooperativismo de plataforma ganhou força depois que Trebor Scholz (2016) o popularizou para nomear esforços de criação de plataformas digitais baseadas em cooperação. A ideia central é eliminar o intermediário e substituir por um serviço de propriedade e administrado pelos próprios trabalhadores. Dessa forma, uma característica fundamental das cooperativas é beneficiar diretamente um grupo definido como membros. 

No cooperativismo de plataforma, a ênfase de benefícios dos 10 princípios-chave está na melhoria das condições de trabalho de qualquer setor precarizado. Isso inclui:

  • propriedade coletiva pelas pessoas que geram a receita;
  • remuneração decente e segurança de renda;
  • transparência e portabilidade de dados;
  • um bom ambiente de trabalho;
  • trabalhadores envolvidos no processo de design da plataforma;
  • uma estrutura juridicamente protetora;
  • proteções e benefícios portáteis para trabalhadores;
  • proteção dos trabalhadores contra comportamento arbitrário;
  • rejeição de vigilância excessiva no local de trabalho; e
  • direito de desconectar (Scholz, 2016, p. 180–184). 

As cooperativas de plataforma não visam a maximização dos lucros. Porém, dependem do fluxo constante de renda para sustentar sua visão de sucesso. Devem fornecer garantias de rendas regulares, eliminar o trabalho precário e a mão de obra gratuita. No entanto, manter essa triangulação desafia o modelo de negócio das cooperativas a se manterem sustentáveis. O cooperativismo de plataforma é contrário à vigilância sistemática e à exploração da mão de obra. Sendo assim, a renda não pode vir por meio da venda de dados do usuário e nem da precarização do trabalho (SANDOVAL, 2019). Logo, a solução à qual as iniciativas de cooperativismo de plataforma têm recorrido é uma combinação de estratégias comerciais, modelos de doação, financiamento coletivos ou públicos.

Exemplos de cooperativas de plataformas

Alguns modelos de negócio em cooperativas de plataforma que podemos citar são de estratégias comerciais para geração de renda por demanda. Como é o caso da Señoritas Courier (Brasil) e Les Mercedes (Espanha). Qualquer cidadão pode solicitar os serviços de entrega. No entanto, o que garante um planejamento maior das entradas financeiras são parcerias em maior escala com estabelecimentos como restaurantes. Além disso, Les Mercedes recebeu subsídio do programa MatchImpulsa, da cidade de Barcelona, para custear o desenvolvimento da plataforma. Já, a Señoritas Courier o desenvolveu em parceria com o Núcleo de Tecnologia do Movimento Sem Terra (MST). 

O Snowdrift usa uma abordagem de crowdmatching (doação) para “melhorar a capacidade de pessoas comuns de financiar bens públicos”. Neste modelo, os subsidiários (patronos) fornecem uma renda mensal para os projetos criativos. De outra forma, o modelo da Resonate, plataforma de streaming de música, se difere do tradicional padrão estabelecido com taxa de assinatura mensal. A Resonate usa um modelo “stream to own, onde os usuários pagam uma quantia em cada uma das nove vezes que transmitem uma música. Isso até a possuírem e não precisar mais pagar por transmissões adicionais.

O desafio para a Resonate, segundo Sandoval (2019), é garantir contratos suficientes para oferecer um serviço atraente para os usuários. Outro grande dilema enfrentado pela Resonate, de acordo com a autora, são os recursos financeiros para construir a plataforma. A cooperativa tentou levantar fundos por meio de uma campanha de financiamento coletivo. Ainda, já dependeu de mão de obra não remunerada para colocar uma versão beta de seu serviço de streaming em funcionamento.  

Modelos de negócios para cooperativismo de plataforma

Em relação aos modelos de negócio, os exemplos citados demonstram que as iniciativas navegam entre diferentes formas de incentivo para arcar com avanços na organização. Especialmente no setor tecnológico, para alcançar o nível de inovação necessário que se espera de uma cooperativa de plataforma (Salvagni et al, 2022). Por outro lado, elas também contam com o trabalho não remunerado para escalarem suas operações. 

As alternativas de modelo de negócio “podem ser uma ferramenta útil para adquirir fundos para iniciar um projeto cooperativo” (Sandoval, 2019, p. 5), mas a longo prazo não fornecem renda regular. Por isso, estratégias comerciais e de marketing nos moldes dos padrões estabelecidos, como por exemplo, como vender produtos, serviços ou cobrar taxas, muitas vezes são necessárias para garantir um fluxo constante de renda.

Neste sentido, as cooperativas de plataforma que comercializam produtos e serviços como o e-COO (produtos da agricultura familiar), consequentemente são menos radicais contra a lógica do mercado. Por oferecerem um modelo convencional de compra e venda, podem demonstrar um modelo de negócio capaz de sobreviver a longo prazo. No entanto, o desafio é se manter econômica e discursivamente atrativa e dentro dos critérios do cooperativismo de plataforma. Neste relato, o foco do estudo de caso é como o marketing do e-COO estimulou a expansão da comercialização dentro dos princípios do cooperativismo de plataforma. 

Por dentro da operação da cooperativa de plataforma e-COO

Para contextualizar o funcionamento do e-COO, percorremos os principais pontos que estruturam o desenvolvimento da cooperativa. O início do e-COO foi incentivado por financiamento público do Ministério da Ciência da Tecnologia e Inovação (MCTI), de maio de 2023 e tem 24 meses de vigência. O seu desenvolvimento seguiu os princípios e valores das tecnologias sociais (Bava, 2004) de criar uma solução para problemas sociais que gere autonomia aos trabalhadores e aumente a autoestima das populações envolvidas, proporcionando melhoria na qualidade de vida. 

A manutenção da cooperativa de plataforma, após o financiamento, que cobre a remuneração de 20 profissionais de diferentes áreas de atuação (comunicação, tecnologia, financeiro, artes, entre outras), ainda está no futuro. No entanto, o processo de comercialização de produtos da agricultura familiar nas modalidades online e presencial no armazém, cobrindo princípios do cooperativismo de plataforma está em teste e passa por melhorias contínuas em um processo de amadurecimento.

A fase de comercialização teve início em março de 2024 e atualmente conta com famílias, cooperativas e empreendimentos de agricultura na região imediata de Pelotas, extremo sul do Rio Grande do Sul, somando 18 fontes associadas. Até agosto de 2024, foram realizadas a comercialização de pouco mais de 1000 sacolas de produtos em 33 feiras híbridas, com valores variando de R$ 4,75 a R$ 355,40 por pedido. A este valor está acrescido os 20% da cooperativa, gerenciado pelos próprios agricultores. A seguir separamos tópicos de discussão para otimizar a compressão da cooperativa.

Modelo de negócio para comercialização

O aplicativo e-COO é um chatbot no serviço de mensageria Telegram. Uma vez por semana, o ciclo de compras online fica disponível para pedidos. Por sua vez, o armazém está localizado dentro da Universidade Federal de Rio Grande (Furg), na cidade homônima, e abre uma vez por semana em uma feira presencial e entrega dos pedidos online. A existência do armazém se deve a uma parceria com o Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (Nudese) que cedeu o local frente aos desafios da logística.

Em sistematizações sobre a logística da cooperativa, foi examinada a emergência de um Centro de Distribuição (CDD) capaz de receber, organizar e distribuir as encomendas realizadas online pela plataforma (Rios et al., 2023). Antes do e-COO ser implementado, o Nudese já apoiava a agricultura familiar com um grupo de consumo sustentável e venda online de produtos por meio da tecnologia social Cirandas, que foi descontinuado para fortalecimento do e-COO enquanto espaço e plataforma para a agricultura familiar e alimentação sustentável. 

Plataformização da agricultura familiar

A plataformização da agricultura familiar não é uma novidade. Em grandes centros como São Paulo existem plataformas intermediárias como Raízs e Mercado Diferente, que prometem entregar produtos saudáveis e orgânicos na porta de casa. No extremo sul do Rio Grande do Sul, essas propostas de plataforma não são o que precarizam o trabalho da agricultura familiar. A principal fonte de renda dessas famílias advém do que é comercializado em feiras livres nos centros das cidades.

No entanto, um contingente substancial de agricultores residem em regiões afastadas. Em Rio Grande, esses bairros são Vila da Quinta, Quitéria, Ilha dos Marinheiros e Ilha do Leonídio. Neste caso, o intermediário precarizador são comerciantes que vão a esses locais afastados e impõe valores sobre os produtos. Uma das regiões mapeadas pelo e-COO é apelidada de “25 centavos”. Qualquer produto é comprado pelo intermediário a este valor atribuído por ele.

Schneider (1995), destaca que a agricultura do Rio Grande do Sul se desenvolveu com profunda dependência com os intermediários, uma vez que estes dispunham de meios de comunicação e transporte para vender e distribuir os produtos, o que submetia os agricultores às definições mercantis daqueles. Cunha (2012), por sua vez, destaca que a renovação do cenário rural passa pela modernização do setor e principalmente com o pequeno produtor assumindo novos papeis de protagonismo na comunicação, transporte e venda dos seus produtos.

Grupos beneficiados 

Diante deste cenário, foi imaginada, criada e desenvolvida a cooperativa de plataforma e-COO. Com o slogan “cooperação do campo à mesa”, indica beneficiar em uma relação de compra e venda ao menos três tipos de grupos: agricultores membros, consumidores e a comunidade local. Dessa forma, os membros agricultores podem: 1) estabelecer um valor que eles consideram justo por mercadoria; 2) ter uma previsibilidade do volume de vendas a partir do fluxo online; e 3) cooperar entre si com trocas de saberes. Aos consumidores estão: 1) consumo de alimentos saudáveis; 2) conhecer a procedência e fonte dos produtos; 3) receber a variedade de alimentos em casa. Para a comunidade local está: 1) fortalecimento da cadeia local de alimentos oriundos da agricultura familiar; e 2) circuitos curtos de entrega que diminuem a incidência de poluentes.

Apesar de cada grupo se beneficiar da sua forma, é visto que os agricultores saem ganhando de forma imediata e o envolvimento da comunidade local e consumidores no propósito do e-COO exige estratégias de marketing, que precisam estar alinhadas a processos discursivos não convencionais, ou seja, que não evidenciam nem preço e nem escassez. Na verdade, é acionado símbolos e signos da perspectiva do marketing ecológico (Díaz, 2002; Motta e Oliveira, 2007), que adota referências da responsabilidade ambiental e social para promover produtos e serviços. Em suma, é provocar as pessoas a refletirem sobre suas decisões de compra e demonstrar que existem determinados produtos e empreendimentos socioambientais mais conscientes por adotarem posturas éticas na gestão de recursos naturais. Tal preocupação com o humano e o ambiente se incorpora às etapas de produção, precificação, distribuição e comunicação, justificando preços mais altos.

Público-alvo

Na mesma direção, existe um registro de classe na divulgação a partir dessa perspectiva de oferecer um modelo sustentável para o trabalho e não o mais barato ou promocional. Isso pode minar o acesso de pessoas que não podem pagar os valores atribuídos aos produtos. Em razão disso, o autor coloca o trabalhador como membro central das estratégias de negócio de tecnologias sociais, o que pode ir na contramão de popularizar a compra de produtos e serviços de cooperativas em diferentes camadas sociais. 

Uma forma que o e-COO encontrou de apoiar a escala de comercialização abrangendo diferentes públicos é acompanhar o indicador de volume de consumidores e não o valor médio por compra. Em outras palavras, o sucesso do negócio está associado à quantidade de pessoas que consomem mais do que quanto elas podem pagar para consumir. Isso também quer dizer que é preciso um número maior de consumidores para manter um fluxo de renda satisfatório. Um dos caminhos que incentivou este olhar foi o desenho de personas para além do perfil de consumidores que poderiam facilmente custear os produtos da cooperativa. Essa abordagem se baseou nos critérios do design justice, de Sasha Costanza-Chock (2020). Em síntese, a autora reconhece que uma persona genérica é um instrumento útil na construção de tecnologias, mas propõe o exercício de repensar essas narrativas em direção a fortalecer comunidades superando sistemas exploratórios. 

Canais de comunicação

Ao colocar outras realidades e anseios sobre a mesa, o marketing do e-COO pôde desenvolver uma comunicação heterogênea, preocupada apenas com o público-alvo que pode pagar por esses produtos. Atualmente, os principais canais de comunicação do e-COO são: a página do Instagram, a do Facebook e a do YouTube, as redes sociais são alimentadas regularmente com informações, novidades e publicidades da cooperativa; uma newsletter semanal enviada para a base de consumidores cadastrados na plataforma; o próprio chatbot do Telegram; o site oficial que tem o objetivo de ser um observatório do cooperativismo de plataforma; e intervenções presenciais realizadas em espaços públicos como feiras livres, eventos e em espaços privados como os sítios dos agricultores (Figura 1). 

Parcerias de colaboração

Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (Nudese)

Por fim, o último aspecto da experiência do marketing no desenvolvimento da cooperativa de plataforma para a agricultura familiar em direção à comercialização são as conexões e parcerias estabelecidas. O desenvolvimento do e-COO contou com uma triangulação de parcerias com o Nudese, Furg e os próprios agricultores. O Nudese, como já citado, disponibilizou espaço físico, insumos de escritório e a coordenadora do núcleo integra o corpo decisório do e-COO oferecendo assim seus saberes sobre agricultura familiar e economia solidária. 

Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

A Furg auxilia com disparos de releases em massa à imprensa, novidades a alunos, ex-docentes e funcionários, entrevistas às rádios universitárias, reports do projeto no blog da instituição e publicações periódicas nas contas das redes sociais. Esse conjunto de, ao menos cinco canais, possibilita um maior alcance da iniciativa e está vinculado a uma instituição com credibilidade consolidada no território e no digital. No entanto, o alcance da maior parte dos conteúdos esta restrito a interessados no que a universidade tem a dizer. Por fim, os agricultores são agentes importantes na divulgação da cooperativa por terem uma clientela fiel e por meio deles, estes conhecerem outros produtos comercializados pelo e-COO. 

Possivelmente toda a cooperativa de plataforma também conta com essa vantagem de ter a divulgação e clientela dos membros. Snowdrift com as iniciativas que buscam financiamento através dela; Resonate com os músicos e gravadoras que disponibilizam álbuns na plataforma. Em contrapartida, essa oportunidade de expansão de comercialização também pode ser uma contradição no cooperativismo. A divulgação da iniciativa de formas criativas, impactando mais pessoas, pode se tornar um trabalho invisível e alinhado ao empreendedorismo de si mesmo (Dardot & Laval, 2016, p. 145), no qual o trabalhador incorpora um “espírito comercial” que está “à procura de qualquer oportunidade de lucro”. Dentro do e-COO, enfrentamos a contradição a todo momento quando colocamos em debate um marketing que vise não somente o lucro monetário, mas todos os movimentos sociais-afetivos vinculados ao consumo consciente de produtos da agricultura familiar.

Nessa sistematização de tópicos relatados, existem oportunidades de geração e expansão da comercialização na qual o marketing do e-COO tem o papel de aproveitar e compreender como utilizar sem reproduzir dinâmicas e linguagem exploratórias.  

Do trabalho ao resultado: uma análise das vivências do marketing do e-COO

A seção anterior percorreu diferentes tópicos da construção do e-COO e muitos desses fatores representaram vantagens para a cooperativa se constituir enquanto um ponto de fortalecimento para a agricultura familiar e consumo ético em Rio Grande. Para esquematizar o cenário de vantagens competitivas da cooperativa, organizamos os fatores sob a ótica da matriz SWOT. O método explora os ambientes interno (fraquezas e oportunidades) e externo (fortalezas e ameaças) do negócio para extrair uma visão holística. 

Nossa fonte de dados para esta esquematização baseia-se na análise de dados secundários provenientes da cotidianidade do núcleo em produzir, publicar e analisar publicações realizadas nas redes sociais digitais da cooperativa (Instagram, Facebook, YouTube) ao longo de seis meses, de março de 2024 (período em que a cooperativa começou a comercializar produtos) a setembro de 2024. Essas publicações refletem as estratégias de marketing em contar histórias de vida dos agricultores membros, as novidades da iniciativa, os diferenciais dos produtos ofertados, bem como os progressos alcançados pela cooperativa em direção a maior rentabilidade e credibilidade da iniciativa. 

Quadro 1 – Matriz SWOT.

FraquezasOportunidadesForçasAmeaças
Custo mais elevado dos produtosParcerias com o setor de comunicação da FurgIncentivo à alimentação sustentávelDesastres climáticos
Comunicação voltada ao consumidor e produtor simultâneamente Agricultores promotoresCultura de comprar do agricultorCarência de
imprensa na região
Marketing para vendas X marketing ativistaFinanciamento públicoInexistência de cooperativas na cidade
Ações presenciais X Ações virtuaisInserção na universidadeDesconhecimento sobre cooperativismo de plataforma
Parceria com o NudeseDissolução da base de consumidores e produtores por fatores externos ao projeto
Variedade de produção
Fontes: dados da pesquisa.

Território

O que nos chama atenção para a análise é que as forças e ameaças (externo) perpassam o contexto que a iniciativa está inserida – uma região de interior que, apesar de ter uma forte cultura voltada para a agricultura familiar, não reconhece a força e a importância de fortalecer o movimento através do consumo, ou seja, não há um “trabalho de base” entre consumidores e produtores. Isso se tornou um fator chave para a ação do e-COO através do marketing, cujo principal desafio foi não só divulgar como também conscientizar e educar todos os sujeitos que se propunham a participarem do movimento, para assim aumentar a comercialização de produtos oriundas da agricultura familiar.

Fontes de receita

Apesar da comercialização do e-COO ser fortalecida por uma combinação de fontes de receita (investimento público vigente e venda de produtos da agricultura familiar), o que vem chamando atenção da equipe do marketing, é a forma como o retorno para a comercialização acontece de forma lenta e gradual. Isso acaba nos demandando constantemente micro-estratégias para atrair novos consumidores e agricultores agregando na mesma medida que fidelizamos com aqueles que estão conosco. 

Parcerias de divulgação

É possível otimizar a expansão da comercialização por meio de parcerias mantidas com a equipe de marketing da universidade, com os agricultores membros e a divulgação dos consumidores. Contudo, identificar e explorar um processo de comercialização através do cooperativismo de plataforma, como citado anteriormente, perpassa por questões que vão além do lucro que uma empresa com ideais neoliberais visa. Para o e-COO, é preciso constantemente um movimento autoavaliativo para ver o que funciona ou não e, aos poucos, identificar as fragilidades das próprias estratégias de marketing aplicadas na comunicação e criando outras estratégias para conseguirmos equilibrar as demandas de retorno que a cooperativa almeja. 

Como exemplo, o boca a boca sobre a oferta de produtos é facilitado com o abastecimento nos canais de comunicação próprios da cooperativa. Pouco se fala de cooperativismo de plataforma e tecnologia social nas redes sociais. De fato, a divulgação de produtos, agricultores, novidades e depoimentos dos consumidores é o que mais atraem novos seguidores para a redes e gera engajamento. Isso representa que as mídias sociais acompanham as tendências do mercado com conteúdos sobre consumo, alimentação e bem-estar. Neste ponto, observamos que o ativismo social fica em segundo plano. 

Agricultores promotores

Observamos que os agricultores exercem um papel de promotor que representa um duplo movimento. Por um lado ele se insere no processo de autoestima sobre o potencial de produção, e por outro, existe um estímulo à dinâmica do empreendedorismo. Onde os agricultores familiares buscam formas criativas e inventivas de estimular a divulgação. Contudo, como o e-COO tem um núcleo de marketing, essa atuação dos agricultores é pontual. 

Sítio Silva

Em três exemplos de casos distintos, o duplo movimento que a imagem dos produtores provoca no marketing nos chamou a atenção e nos sinalizou a oportunidade de agricultores promotores na mesma medida que a ameaça de dissolução da base por fatores externos. O primeiro caso, trata-se de produtores parceiros, Sítio Silva, que, percebendo a importância da comunicação nas redes para a agricultura familiar, passaram a impulsionar em suas próprias redes seus conteúdos e produtos. Bem como trabalhar em conjunto com o e-COO para fomentar o conhecimento e a conscientização dos saberes e dilemas que perpassam essa classe de trabalhadores.

Dona Juju

O segundo caso é de uma agricultora Dona Juju que, para além de se tornar uma pessoa essencial para o e-COO por toda a sua relação afetiva com os consumidores, nos sinaliza o entremeio de ações presenciais e virtuais. Como apontado anteriormente, a cooperativa possui feira virtual e presencial com a participação dos produtores. Conforme a operacionalização das feiras, percebemos que as relações que a agricultora estabelece no presencial reverberam no virtual a partir das interações dos consumidores em conteúdos cujo foco se voltava a agricultora, como mostra a Figura 2.

Figura 2 – Interações dos consumidores com as publicações da agricultora membra Dona Juju.

Fontes: dados da cooperativa.

Esses movimentos entre presencial e virtual nos mostraram a fragilidade que temos, enquanto produtoras de conteúdo, de criar ações que ocorrem especificamente em um único espaço, nos mostrando a importância de um ambiente físico e da consolidação que as pessoas possuem com a cooperativa ao ocuparem esse espaço. 

Valdinéia Souza

Por fim, o terceiro caso é de outra agricultora, Valdinéia Souza, que recentemente passou a fazer parte do e-COO. Valdinéia é produtora de ervas e de produtos fitoterápicos naturais e possui conhecimento de vida sobre Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Bem como o impacto positivo do consumo de alimentos saudáveis e de uma rotina saudável. Essa experiência nos mostrou o interesse dos consumidores por conteúdos sobre bem estar, saúde e higiene pessoal alinhados a produtos de origem orgânica e da agricultura familiar. Ao percebermos este movimento, conseguimos produzir uma série de publicações voltadas para a agricultora e seus conhecimentos (Figura 3), bem como a participação dela em um Webinar e em uma oficina para a comunidade sobre PANC.

Figura 3 – Interações dos consumidores na publicação da agricultora Valdinéia Souza

Fonte: dados da cooperativa.

Ao analisarmos as contradições com base na matriz SWOT, compreendemos a complexidade de construção de uma comunicação para um projeto de cooperativismo de plataforma. O marketing aplicado influencia profundamente nas ações e reações em torno da iniciativa. Equilibrar os aspectos ativistas e comercialização sem esvaziamento é um desafio constante. A autoavaliação com equidade e compreensão do contexto que se insere o cooperativismo de plataforma é essencial.

Considerações 

A cooperativa de plataforma e-COO está em seu primeiro ano de desenvolvimento. Este relato é um produto do que temos observado, vivido e coletado até o momento. Em razão disso, podemos observar que o modelo de negócio de cooperativismo de plataforma tem potencial criativo de criar alternativas de comercialização. Áreas marcadas pela exploração das pessoas e do ambiente podem ser beneficiadas, especialmente quando o projeto ocorre em meio a intersecção de saberes.

Ao pesquisar outras cooperativas de plataforma como Señoritas Courier e Resonate é visto exatamente essa confluência de conhecimentos que juntos criam possibilidades. Diante de conexões e lacunas o marketing se apresenta como um vetor para prolongar a sobrevivência desses empreendimentos. A busca pela divulgação massiva na imprensa e parcerias estratégicas são de extrema importancia. Bem como, disseminar os resultados e desafios de forma atrativa que convençam mais pessoas a investir nesse projeto de futuro. Por fim, a experiência do e-COO nos ensinou a não romantizar o modelo de uma cooperativa de plataforma. A pressão por comercialização e rentabilidade não devem ficar em segundo plano e os trabalhadores não a colocarão. Assim, a cooperativa é capaz de se apresentar como mais uma fonte de geração de renda que deve ter consciência disso.

Cooperativismo de plataforma

Sob a ótica do cooperativismo de plataforma, o processo de reconhecimento do trabalho de pequenos produtores impulsionado pelo marketing perpassa pela inserção consciente dos potenciais consumidores através de registros fotográficos como a vivência no armazém. Em contato com aqueles que contam não só a história de seus produtos, como também as histórias de sua vida, as chances de consumir os produtos apresentados se tornam maiores do que através de uma comunicação asséptica, que visa o lucro.

Em suma, o ponto chave é compreender que tanto a agricultura familiar como o cooperativismo de plataforma desafiam a lógica individualizante e competitiva do capitalismo. E para além, reforçam a importância de pensar em um impacto e retorno econômico local.

Referências

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Autores: Silvia Botelho, Mariana Silva, Évilin Matos.

Artigo originalmente publicado no 2º Simpósio Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia Social (SEPETS).

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