Criado por Trebor Scholz, em 2016, o termo Cooperativismo de Plataforma se apresenta como uma forma de resistência ao capitalismo de plataforma. Tendo como foco temas como propriedade coletiva, trabalho colaborativo, remuneração justa, condições decentes de trabalho, governança democrática, transparência e
portabilidade de dados (Scholz, 2017). Nesse sentido, percebe-se no projeto “e-COO – Cooperativismo de plataforma: inovação e tecnologia social para o fortalecimento da Agricultura Familiar da Região Geográfica Imediata de Pelotas” (e-COO) um caminho para estabelecer relações de trabalho democráticas, defendidas por
Grohmann (2020) e Anello et al. (2022), que propõem arranjos justos de produção, distribuição e consumo, e coerentes com valores que respeitem o trabalho digno (fairwork).
O Projeto e-COO
O projeto e-COO se constitui em duas frentes de trabalho complementares. Uma delas busca entregar uma ferramenta que instrumentalize e facilite os processos de venda e consumo da agricultura familiar, tornando-se disponível e ativa ao cotidiano desses trabalhadores rurais (VICTOR et al., 2023; LOPES et al; 2023a). Já a
outra se refere à produção de conhecimento científico para auxiliar no diagnóstico e na tomada de decisão do poder público, visando melhorar as condições de trabalho e de vida dos agricultores familiares, essenciais para alimentar e sustentar toda a sociedade brasileira.
Por outro lado, nota-se que a agricultura familiar se configura como uma categoria de trabalho com baixo acesso a incorporação das tecnologias convencionais, o que pode estar relacionado tanto com questões financeiras quanto dos próprios modos de trabalho. Dessa forma, concordamos com Dagnino (2014) no que concerne ao fato das tecnologias sociais serem uma importante ferramenta de transformação social, pois coloca no centro de suas concepções as necessidades das comunidades com as quais cria e implementa soluções. Dado o caráter participativo dessas propostas, as mesmas se tornam adequadas aos contextos locais, pois valorizam as culturas e os saberes tradicionais das comunidades para as quais são implementadas. Dito isso, as tecnologias sociais, para além de ferramentas, são, também, vias de empoderamento social e político.
Assim, é pertinente ressaltar que existe uma convergência entre o cooperativismo de plataforma, a tecnologia social e a educação ambiental, os quais delineiam um horizonte comum. Esse horizonte pode ser percebido na melhoria das relações entre a sociedade e o meio ambiente, resultando em condições de trabalho dignas. Nesse sentido, a interligação entre tecnologia social e educação ambiental, embasada em valores democráticos, conforme destacado por Archanjo e Tormohlen (2021), está em consonância com os princípios do cooperativismo de plataforma elucidados por Scholz (2017).
Cooperativismo de Plataforma na Região Sul
Até o momento, vislumbra-se que projeto avance na formação e consolidação de um modelo para o Cooperativismo de Plataforma elaborado na região sul do país, mas que sirva para todo território nacional, através do qual as relações de compra e venda envolvam empreendimentos solidários, oriundos da Agricultura Familiar (LOPES et al., 2023a) . Em relação às pesquisas sobre cooperativismo de plataforma no país, entende-se que ao propor um projeto-piloto em articulação com políticas públicas, com potencial de desenvolvimento tecnológico e inovação rumo à sustentabilidade na economia de plataformas, produz-se uma tentativa importante à soberania tecnológica em um país como o Brasil (SCHOLZ; CALZADA, 2021; RICAURTE, GROHMANN, 2021).
Diante dos argumentos expostos, o Projeto e-COO, que tem como premissa a criação de uma tecnologia social voltada para agricultura familiar (LOPES et al., 2023b), concebe o Cooperativismo de Plataforma como um paradigma tecnológico emergente, que se contrapõe aos modelos tradicionais de economia de plataforma e
apresenta soluções inovadoras e socialmente justas. A partir da proposta de Trebor Scholz, o cooperativismo de plataforma se diferencia ao enfatizar a propriedade coletiva, a colaboração, a remuneração justa, as condições de trabalho dignas, a governança democrática, a transparência e a portabilidade de dados.
Considerações finais
Reconhecendo as barreiras tecnológicas enfrentadas pela agricultura familiar, as tecnologias sociais surgem como ferramentas fundamentais de transformação, centradas nas necessidades das comunidades e valorizando seus saberes tradicionais. Essa abordagem participativa e adaptada aos contextos locais que, como destaca Dagnino (2014), promove o empoderamento social e político das comunidades envolvidas.
Portanto, o projeto “e-COO” aponta para a formação e consolidação de um modelo de Cooperativismo de Plataforma que pode ser replicado em todo o território nacional. Este modelo, ao integrar políticas públicas e potencial de desenvolvimento tecnológico, representa uma importante tentativa de alcançar a soberania tecnológica no Brasil. Por fim, ao avançar nessa direção, o Projeto e-COO contribui para a construção de um paradigma tecnológico emergente que prioriza a sustentabilidade, a justiça social e a dignidade no trabalho, alinhando-se às necessidades e valores das comunidades locais.
Referências
ANELLO, Lucia de Fatima Socoowski; NOBRE, Lucia Regina; BRAGA, Maria Angelica Machado. Rede Rizoma. Revista das ITCPs, v. 2, n. 1, p. 24-35, 2022.
ARCHANJO, Miguel de; TORMOHLEN, Simoni. A tecnologia social no contexto da educação socioambiental crítica: uma ação educativa societária. Tecné, Episteme y Didaxis: TED, n. 51, p. 317-335, 2022.
DAGNINO, Renato. Tecnologia Social: contribuições conceituais e metodológicas. Eduepb, 2014.
GROHMANN, Rafael. Plataformização do trabalho: entre a dataficação, a financeirização e a racionalidade neoliberal. Revista EPTIC, v. 22, n. 1, p. 106-122, Disponível em: https://periodicos.ufs.br/eptic/article/view/12188/10214. Acesso em: 16 de agosto de 2023.
LOPES, Raizza da Costa et al. Cooperativismo de plataforma no contexto da agricultura familiar: primeiros passos do projeto e-COO. Anais do ll SERDAF Seminário Regional sobre Desenvolvimento e Agricultura Familiar IX Feira
Municipal do Conhecimento, 2023b, p. 63. Disponível em: https://repositorio.furg.br/bitstream/handle/123456789/11341/Anais%20SERDAF.pdf? sequence=1&isA llowed=y. Acesso em: 06/06/2024
RICAURTE, Paola; GROHMANN, Rafael. Data Sovereignty and Alternative Development Models. BotPopuli, 22 de outubro de 2021. Disponível em: https://botpopuli.net/data-sovereignty-and-alternative-development-models/. Acesso em: 21 de agosto de 2023.
SCHOLZ, Trebor. Cooperativismo de plataforma: contestando a economia do compartilhamento corporativa. São Paulo, SP: Fundação Rosa Luxemburgo, 2017.
SCHOLZ, Trebor; CALZADA, Igor. Cooperativas de Dados Para Tempos Pandêmicos. DigiLabour, 22 de abril de 2021. Disponível em: https://digilabour.com.br/cooperativas-de-dados-para-tempos-pandemicos/. Acesso
em: 06/06/2024
VICTOR, Kamila Debian et al.. Projeto e-coo: desafios e perspectivas metodológicas na construção do cooperativismo de plataforma.. In: anais do 1o Simpósio Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia Social. Anais…Rio de Janeiro (RJ) Centro de Tecnologia da UFRJ, 2023. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/1_sepets/695892-projeto-e-coo—desafios-e-perspectivas-metodologicas-na-construcao-do-cooperativismo-de-plataforma. Acesso em: 27/05/2024
Autoras: Raizza da Costa Lopes, Júlia Nyland do Amaral Ribeiro e Viviani Rios Kwecko.
Artigo originalmente publicado no II Seminário Nacional Araucária em redes de Educação Ambiental disponível em: Paradigmas tecnológicos emergentes: a experiência do Projeto e-COO no cooperativismo de plataforma