Resenha “Contrate Quem Luta: movimento dos trabalhadores sem-teto, tecnologias e economia digital solidária”

O texto a seguir trata-se de uma síntese do artigo “Contrate Quem Luta: movimento dos trabalhadores sem-teto, tecnologias e economia digital solidária” publicado na revista Sociedade e Estado em novembro de 2024 pelas autoras Julice Salvagni, Victória Mendonça da Silva e pelo autor Rafael Grohmann.

O artigo analisa a iniciativa Contrate Quem Luta (CQL), do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), sob a ótica da economia digital solidária. O estudo investiga como essa iniciativa representa uma alternativa ao modelo hegemônico de trabalho por plataformas, ao mesmo tempo em que fortalece a luta política e organizacional do movimento.

Objetivos e Metodologia

Os autores adotam a pesquisa-ação para compreender a dinâmica do Contrate Quem Luta, combinando entrevistas com trabalhadores e membros do Núcleo de Tecnologia do MTST com a análise de discursos. O objetivo é examinar como a iniciativa se estrutura, suas implicações na organização do trabalho e sua relação com a economia digital solidária.

Principais Discussões

O artigo explora três eixos principais:

Organização do Trabalho do Contrate Quem Luta (CQL) e Economia Digital Solidária

O CQL conecta trabalhadores do MTST a clientes que buscam serviços como construção civil e trabalho doméstico. Diferente de plataformas tradicionais, não há cobrança de taxas sobre os trabalhadores, e a organização prioriza princípios de autogestão e solidariedade.

O MTST tem ampliado sua atuação além da luta por moradia, incluindo setores como tecnologia e educação. O Núcleo de Tecnologia do MTST busca integrar militantes e programadores sob uma lógica de soberania digital, desenvolvendo projetos de educação popular e alternativas à plataformização do trabalho, como o Contrate Quem Luta.

O CQL é um chatbot no whatsapp que conecta militantes em busca de trabalho a pessoas que precisam de serviços, abrangendo áreas como construção civil, trabalho doméstico, estética e limpeza. O projeto fortalece a economia digital solidária e contribui para a luta por moradia.

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Práxis do Movimento Social

A experiência com o CQL fortalece a identidade política dos trabalhadores, promovendo conscientização e participação ativa no movimento. A relação direta com clientes de ideologia progressista também ajuda na disseminação das lutas do MTST.

Organização da Política de Base

A iniciativa não apenas proporciona renda, mas reforça a coesão entre militantes e sua conexão com o movimento. Além disso, o projeto influencia a participação política, aproximando trabalhadores do MTST de discussões partidárias, como aquelas ligadas ao PSOL.

Trecho de uma entrevista com uma trabalhadora doméstica participante da pesquisa:

[…] passei a sentir no meu coração que não era só ir lá prestar o serviço, receber e vim embora. Eram pessoas que queriam conhecer o movimento, pessoas que queriam me conhecer, conhecer a minha história de luta, de uma lutadora por moradia. Como que é uma pessoa dentro de uma ocupação? Aí eu comecei a conversar sobre tudo, sobre política, sobre futebol (que eu gosto), sobre a luta nas ocupações, sobre as cozinhas solidárias (Trabalhadora Doméstica, 44 anos).

Conclusão

O artigo destaca a importância da economia digital solidária como alternativa ao modelo exploratório das plataformas tradicionais. Ela surge como alternativa ao trabalho digno e à apropriação tecnológica pela classe trabalhadora. Essas iniciativas integram um projeto estratégico maior do movimento, conectando tecnologia, trabalho e educação popular dentro de uma perspectiva territorial.

O Contrate Quem Luta demonstra que é possível construir tecnologias alinhadas aos interesses dos trabalhadores e dos movimentos sociais. O CQL não se limita à intermediação de serviços, mas fortalece a inclusão digital e a autonomia dos trabalhadores. Assim, amplia a atuação do MTST para além da luta por moradia. Sua abordagem reflete uma estratégia política que aproxima populações periféricas da organização social e partidária, contribuindo para a renovação da esquerda brasileira.

Além de proporcionar renda sem a mediação de plataformas capitalistas, o CQL também atua como espaço de mobilização política, promovendo ideias do movimento entre trabalhadores e clientes.

Contudo, a possibilidade de trabalho digno, a partir de princípios de economia digital solidária, ainda se restringe apenas a grupos pequenos de trabalhadoras e trabalhadores, considerando que ainda não há a instauração de uma política nacional para economia digital solidária. Por isso, a pesquisa destaca a importância de políticas públicas que expandam essas iniciativas, como já ocorreu com as Cozinhas Solidárias do MTST.

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