cooperativismo de plataforma

Cooperativismo de plataforma: primeiros passos do projeto e-COO

Cooperativismo de plataforma para a agricultura familiar

A proposta intitulada de “e-COO: Cooperativismo de Plataforma: Inovação e Tecnologia social para o fortalecimento da agricultura familiar da Região geográfica imediata de Pelotas” é um projeto inovador, que iniciou em maio de 2023.

Surge com objetivo de propor uma plataforma tecnológica para facilitar a comercialização solidária em um contexto cooperativista de “redes de redes”. Trata-se de um projeto financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o qual é desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Rio Grande (FURG), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFsul) e a Universidade de Toronto (Canadá). Essa iniciativa se configura como uma tecnologia social voltada para o fortalecimento da Agricultura Familiar no extremo sul do Brasil. Por isso, neste trabalho, pretende-se apresentar os primeiros passos do projeto desenvolvidos até o momento.

Cooperativismo de plataforma

A proposta está alinhada teoricamente com as discussões suscitadas pelos referenciais firmados por Trebor Scholz, autor do termo Cooperativismo de Plataforma, Rafael Grohmann e Daniel Santini. Nesse sentido, o Cooperativismo de Plataforma surge como uma tentativa de enfrentamento ao capitalismo de
plataforma, ocupa-se de temas como propriedade coletiva, trabalho associado, pagamento e condições de trabalho decentes, governança democrática, transparência e portabilidade de dados (Scholz, 2017). Tais características se alinham aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das
Nações Unidas (ONU), principalmente ao ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico), ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e ODS 12 (consumo e produção responsáveis).

Nos últimos anos, o aumento das múltiplas e complexas formas de trabalho via plataformas digitais, ditas plataformas de compartilhamento, produzidas por modelo hegemônico neoliberal, têm causado problemas relacionados às condições dos trabalhadores e a redistribuição de ganhos (Grohmann, 2018; 2020). Em relação aos modelos de cooperativismo de plataforma, Alvear et al. (2023, p. 51) argumentam que:

“Existem diversas tipologias ou modelos possíveis para o cooperativismo de plataforma, incluindo aí cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras que atuam em paralelo às plataformas capitalistas controladas por multinacionais; cooperativas de desenvolvimento tecnológico, voltadas para a
criação de ferramentas baseadas em livre compartilhamento e bens comuns digitais; cooperativas de distribuição e comércio, como as organizadas para conectar consumidores nas cidades com pequenos produtores no campo. Isso só para relacionar algumas das formas de organização digital possíveis dentro de uma perspectiva de Economia Solidária.” (Alvear et al., 2015, p. 51).

Grohmann (2020) cita a expressão “plataformização do trabalho” alinhado ao termo “economia do compartilhamento” mencionado por Rüsche e Santini (2018). Em linhas gerais, caracteriza-se pela transposição das relações de trabalho capitalistas ao universo tecnológico, isto é, mantém a lógica de concentração de lucros para os donos das grandes redes, como a Amazon e o iFood, sem se ocupar
da democratização das relações de trabalho (Scholz, 2018). Nesse sentido, o cooperativismo de plataforma “envolve modelos de propriedade democrática para a Internet” (Scholz, 2018, p. 17).

Economia solidária

Na contramão dessas formas de trabalho capitalistas, há um movimento que busca operar na interface da economia solidária, da tecnologia social e do cooperativismo de plataforma, reestruturando as relações de trabalho para formas democráticas, que propõem arranjos justos de produção, distribuição e consumo, e coerentes com valores que respeitem o trabalho digno (fairwork) (Grohmann,
2020; Anello et al., 2022).

Cabe salientar que Tecnologia Social é entendida, de acordo com Dagnino (2014), como uma solução simples, de custo baixo, de fácil aplicabilidade e capaz de gerar impactos sociais, possibilitando melhora na qualidade de vida e relações de trabalho mais justas em contextos como “[…] educação, agricultura, saúde, meio ambiente e lazer” (De Medeiros et al., 2017, p. 967).

Materiais e métodos

De acordo com a filiação teórica desta pesquisa, no que concerne aos princípios de Trabalho Digno (fairwork), Economia Solidária e Tecnologia Social, apresentam-se os primeiros passos do projeto e-COO, que se inspiram em outros trabalhos desenvolvidos e publicados pelo Observatório do Cooperativismo
de Plataforma (https://cooperativismodeplataforma.com.br) e pelo DigiLabour (https://digilabour.com.br).

Considerando as experiências metodológicas do Projeto “EUTRAMPO”, desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Señoritas Courier de São Paulo – SP; PedalExpress de Porto Alegre – RS; e Contrate quem Luta (https://contratequemluta.com) criado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST), o presente estudo se organiza a partir de três núcleos: Social; Comunicação; e da Ciência da Computação, a fim de traduzir indicadores sociais em tecnologia no contexto da Agricultura Familiar, como é possível observar a seguir.

Resultados e discussão

Como dito anteriormente, o projeto e-COO é composto por três núcleos: Social; Comunicação; e da Ciência da Computação. Além disso, está constituído em cinco metas (Figura 1), sendo essas: Diagnóstico; Indicadores Sociais; Modelagem do Ecossistema Tecnológico; Transferência Tecnológica; e Observatório de Cooperativismo de Plataforma.


Meta 1

A primeira meta envolve a realização de um Diagnóstico, ou seja, o mapeamento da produção, da comercialização, da distribuição e do consumo de alimentos da Agricultura Familiar produzidos pelas comunidades locais. Para tanto, foram elaborados questionários às unidades da EMATER, aos produtores da Agricultura Familiar e para quatros categorias de consumidores (individuais, presumidores, institucionais e empresariais).

Meta 2

Para a segunda meta, tendo como referência a aplicação dos questionários por meio de entrevistas, serão formulados Indicadores Sociais. Os mesmos estarão relacionados ao fomento das cadeias de produtos, em um contexto de uso de tecnologias sociais baseadas no Cooperativismo de Plataforma.

Meta 3

A terceira meta contempla modelagem de um Ecossistema Tecnológico para obter um Mínimo Produto Viável – MVP, o qual se encontra em estágio inicial, isto é, um esboço de sua arquitetura. Em outras palavras, o que se tem, nessa fase do projeto, é a Prova Conceito, ou seja, uma versão mais simples e enxuta da plataforma, para o qual o objetivo principal é apresentar a ideia e executar os testes primários. A mesma será testada, analisada e validada, buscando identificar os impactos sociais e os resultados das transformações ocorridas no campo da Agricultura Familiar da região de estudo.

Meta 4

A quarta etapa, ainda não iniciada, propõe um modelo de Transferência Tecnológica que envolve a gestão aberta e compartilhada da plataforma, com possibilidade de participação do setor público e privado e de organizações da sociedade civil.

Meta 5

A quinta etapa, que contempla o Observatório de Cooperativismo de Plataforma, se desenvolve ao longo dos 24 meses do projeto. A mesma visa o fortalecimento da governança e ações coletivas, através da divulgação do projeto e suas ações em sites voltados para o tema, feiras, congressos e eventos científicos. Em outras palavras, é através deste Observatório que se oportuniza o entrelaçamento da produção de conhecimento em meio científico com as ações práticas de construção da plataforma.

De acordo com a fase em que o Projeto se encontra, algumas escolhas, que podem ou não se manter, precisaram ser feitas. Dentre elas estão:

  • A utilização de Redes Sociais para comunicação e divulgação, sendo essas o Instagram e o Facebook;
  • O uso do plataformas de mensagerias, exemplo o TELEGRAM, como canal de compra e venda, já que apresentam baixo consumo de dados, interface intuitiva, e com inúmeros usuários vinculados a essa ferramenta;
  • O cadastro dos produtores em um aplicativo fora das plataformas de mensagerias, garantido assim o registro e validação através do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar – CAF.

Em relação aos desafios encontrados até então, destacam-se:

  • Articular condições viáveis entre os associados, isto é, tanto para quem vende, quanto para quem compra;
  • Trabalhar com indicadores sociais que sejam coerentes com a proposta da economia solidária e do cooperativismo de plataforma, proporcionando condições de trabalho digno (fairwork). (Grohmann, 2020);
  • Associar as questões de precificação, logística e viabilidade dos produtos, tendo em mente os circuitos curtos de comercialização, tornando atrativo aos usuários da plataforma.

Leia também: Agricultura familiar: desafios e limites no desenvolvimento do Projeto e-COO

A apresentação do presente projeto de Cooperativismo de Plataforma, que tem como premissas a criação de tecnologia social para o desenvolvimento e valorização da Agricultura Familiar, alinha-se ao escopo do evento, tanto no que concerne à região, quanto ao tema de estudo. Desta forma, a proposta deste resumo no II Seminário Regional sobre Desenvolvimento e Agricultura Familiar-SERDAF, teve como intenção a apresentação dos passos metodológicos iniciais do projeto e-COO, o qual se configura como
uma plataforma na interface da economia solidária, da tecnologia social e do cooperativismo.

Por fim, compartilhar a estrutura metodológica proposta e os desafios no SERDAF é uma oportunidade para receber contribuições oriundas das expertises de grupos e pesquisadores da área, possibilitando que o mesmo atinja suas metas com êxito, isto é, fortalecendo as relações de produção e consumo no contexto da Agricultura Familiar, prezando por incentivar relações dignas de trabalho.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).

REFERÊNCIAS

ANELLO, Lucia de Fatima Socoowski; NOBRE, Lucia Regina; BRAGA, Maria Angelica Machado. Rede Rizoma. Revista das ITCPs, v. 2, n. 1, p. 24-35, 2022.

ALVEAR, Celso Alexandre; NEDER, Ricardo; SANTINI, Daniel. ECONOMIA SOLIDÁRIA 2.0: por um cooperativismo de plataforma solidário. P2P E INOVAÇÃO, v. 9, n. 2, p. 42-61, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.21721/p2p.2023v9n2.p42-61. Acesso em: 16 de agosto de 2023.

DE MEDEIROS, Carolina Beltrão et al. Inovação social além da tecnologia social: constructos em discussão. Race: revista de administração, contabilidade e economia, v. 16, n. 3, p. 957-982, 2017.

GROHMANN, Rafael. Cooperativismo de plataforma e suas contradições: análise de iniciativas da área de comunicação no Platform.Coop. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 19-32, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18617/liinc.v14i1.4149. Acesso em: 16 de agosto de 2023.

GROHMANN, Rafael. Plataformização do trabalho: entre a dataficação, a financeirização e a racionalidade neoliberal. Revista EPTIC, v. 22, n. 1, p. 106-122, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/eptic/article/view/12188/10214. Acesso em: 16 de agosto de 2023

Autoras: Raizza da Costa Lopes, Viviani Rios Kwecko, Lucia Regina Nobre, Júlia Nyland Do Amaral Ribeiro, Kamila Debian Victor, Silvia Silva Da Costa Botelho.

Artigo originalmente publicado II Seminário Regional sobre Desenvolvimento e Agricultura Familiar (SERDAF). Disponível em https://www.furg.br/arquivos/Editais/2024/Anais_SERDAF.pdf

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